segunda-feira, 9 de novembro de 2015

TRABALHO DE GEOGRAFIA - CURTA



Esse curta foi produzido para a ACCS - Memória Social: audiovisual e identidades da Faculdade de Comunicação - UFBA.

O texto desse vídeo foi escrito por Pedro Ricardo Calábria Lins, quando este tinha 11 anos de idade. Foi feito como forma de avaliação parcial quando Pedro era estudante no ano de 1998, na cidade do Conde - Bahia.

CENTRO INTEGRADO DE EDUCAÇÃO DO CONDE.

Professora: MARCIA CORINA MENDES LINS.

Alunos: ALICIA DOS SANTOS, ARIANA SILVA, CAMILA BRITO DE SOUZA, DÉBORA SILVA SANTOS, ELINE SANTANA, GIOVANNA CARVALHO, MARIANA COSTA, TAÍS SILVA SANTOS, VANESSA GONÇALVES, REGIS WIVILSON, AGUIAR YTHALO MELO.

MEMÓRIA SOCIAL E IDENTIDADES: AUDIOVISUAL COMO TECNOLOGIA SOCIAL EM EDUCAÇÃO.

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA/FACOM.

Orientador: LEONARDO REIS.

Equipe: AFONSO JUNIOR, ISADORA FURLAN, TALBERT IGOR.

Edição: TALBERT IGOR.

CONDE- BAHIA/2015.


terça-feira, 13 de outubro de 2015

TEMPONOLÓGICO




Adapto-me à questões existenciais,
Possuo a matéria e resquícios abstratos
Entre homens que sobrevivem de infinitos aparatos
Sou mais um dentre tantos outros animais.

O homem que sente necessidade de ser fera,
Impera entre os concretos e montantes submissos
Pois tendo uma fome de monstro promisso
Devora seus semelhantes e toda vida da terra.

Essa criatura apocalíptica que rasteja veementemente
Expelindo sua saliva ácida por praças e vilarejos,
Empondera-se da ganância de variados aparelhos
Entre pilhas científicas, virtuais e sonoras.

E que vive de forma pedante entre o vácuo das horas
Para deturpar vontades alheias às suas,
Esticando situações de caos entre todas as ruas
Para ter o controle dos semestres de outrora.




Talbert igor

terça-feira, 29 de setembro de 2015

GRILOS DO ITAPICURU





As piabas deslizam suaves em plena corrente
Da pedra grande de superfície musguenta
E o homem com chapéu de palha se lamenta
Por não capturá-las em seu aió recorrente.

O itapicuru que se estende por terras cipoenses
Reflete as mazelas dos que são explorados
Como o povo que ainda vive de pequenos bocados
Dos cabrestos da política panis et circenses.

Pobre de ti, ó rio de forma caudalosa
Desde a nascente que corre em curvas de s
Essa gente que não se importa e até se esquece
Apenas saqueiam suas areias de forma assombrosa.

Na parte mergulhada das suas águas impuras se esconde
Amontoados de aventureiros em banhos arriscados
Sob a sujeira que segue dos esgotos desgovernados
Que vem viajando desde Jacobina até a cidade do Conde.

Extingue-se a cada vez que subtraem a fauna-flora
E vives com uma pequena fatia de momento afetuoso
Pois nesse tempo com estridulação de grilo jocoso
Restou-te apenas a erosão que o seu solo devora.



Talbert Igor

sábado, 26 de setembro de 2015

CAMAÇARI: AQUI, ALÍ, ACOLÁ


Hoje,
a chuva 
crava 
chuviscos
chamativos
na alva memória
do teto de tua cabeça.

As tetas daquela moça
seguem atravessando a calçada,
sob a vigia de negros lupinos
e sob a proteção dum guarda-chuva
esverdeado.

Aquele outro cara,
abaixa a guarda
e um outro cara
lhe rouba a carteira.

Não existe calma,
alma,
amálgama,
ébano,
albino,
Albertos
nas ruas de Camaçari.

As coisas calorosas não existem nesse lugar,
pois as aves que aqui te bicam
jamais te bicaram acolá
(no interior das suas vontades).

A cama de Sarah o possuiu com uma acidez estranha
e os agrados de Ana,
enraizaram a realidade desse velho.

Sim, o mesmo degastado palhaço!

Seguindo por todos os lugares
e insistindo em ter o mesmo ar possuidor das cousas.

Almeja, como todas as pessoas desesperadas
acostumado a atirar-se em qualquer migalha.

Claro que sim, repetido mendigo!

Atravessas os dias entre os automóveis de Camaçari:
- ô boiada azul,
êita passada larga,
ê vontade reprimida.

Sonhas com:
1- lavadeiras e chapéus de palha.
2- caboclos quebrando cascalhos.
3- senhoras de lenços rezando novenas.
4- meninos bebendo água em pote de barro.

As persianas daquela janela soturna
escondiam os olhos curiosos da dona Veridiana.

A pele da Nelma inflama,
o berro vizinho lhe arranha,
a íris te chama
e, esquecido pelos próprios sonhos,
você segue esticado
num quarto dessa cidade
que não lhe agrada em nada.



Talbert Igor

terça-feira, 4 de agosto de 2015

ODE SOTEROPOLITANA



Demorei meses para reconhecer entre os concretos
Dessa geografia que se mistura em origem matriarca,
A magia da qual todos falam e que a todos abarca
E que é surpreendente através de movimentos discretos.

Pois sendo filho dum Pontal recheado de causos imagéticos
Demorei a me adaptar às suas calçadas e corredores,
Que se estendem entre corpos e segmentos interiores
Desse povo que transborda trejeitos magnéticos.

Ó fervorosa mãe dessa terra tupinambá!
A energia que pulsa das tuas veias frenéticas
E que descreve o delírio nas vontades proféticas
Deságua com a força sobrenatural no teu mar.

São Salvador que me repulsara as vontades de outrora
Vives como descreveu com detalhes o infernal Gregório;
Desde aquele tempo colonial de ar alucinatório,
És tudo isso por um costume e por uma hora.

Mas continuas a criar filhos iluminados para o mundo
E desenvolvendo o ritmo diário do seu caminhar
Capturas os olhos planetários no modo de se reinventar
Pelo charme da crença duma nação de amor fecundo.

Galopas em motocicletas e em tantos outros coletivos,
Se comunicando por paisagens que acalmam tantas cabeças
E ainda guardas forças para que o dragão da maldade padeça
Pois este lhe persegue com apetite feroz entre todos os vivos.

Vivo entre o mistério de tuas noites de clima temperado
Moendo planos com o fervor inocente que exala duma criança,
Fundo-me com o papel do futuro e a máquina da lembrança
Para acalmar o corpo que sucumbe ao relento do inesperado.




Talbert Igor

terça-feira, 14 de julho de 2015

ESPUMAS FLUTUANTES



Certa vez, um amigo de extremos graves
Emergiu das águas thermais em um estado casto
E vendo-se numa experiência de limite vasto
Atreveu-se a brincar de ser Castro Alves.

Era metamorfo em globos azuis e pele amarelada
Sendo coerente poucas vezes e no mais sonolento,
Acertava um ponto inimaginável em algum momento
Mas depois voltava com incoerência em passada alada.

Acordando no clima cinzento daquele dia,
Pôde sentir no corpo os mesmíssimos sinais
Entre as veias azuladas dos traços ancestrais,
A marca frágil do excesso ressoando agonia.

Desconhecia a proporção que experimentou
Tentando conciliar palavras cuspidas ao oceano  
E com ideias avulsas percorrendo-lhe o rosto plano
Já entre o líquido, o sólido e o gasoso contemplou.

Quem, dentre todos os soteropolitanos adaptados
Teria a esperteza rotineira de escolher entre jazigos
E escrever sobre olhos escaldantes e risos amigos
Pra depois disparar com os dedos para todos os estados?!

Pois naquela praia alva de Amaralina anáfora
Enxergarias a ferrugem se estendendo pela cidade
E que tu, adentrando as facetas psicóticas da idade
Fez-se livre com o peito a cuspir fumaça e metáfora.




Talbert Igor

sexta-feira, 10 de julho de 2015

AVE, TEMPUS (Una Viaticu)




I


Como uma invasão ou uma visita imprevista
Surge pela janela noturna uma mariposa
Debatendo-se em agonia rente a minha vista
No susto do momento, e no vibrato das cores, ela pousa.

Voa em certo espaço confuso e se depara
Com a cena de objetos reluzentes de doçura
Através do lençol das possibilidades em que ampara,
A matéria das incoerências alucinógenas de minha figura.

O corpo em reflexos trêmulos e de extremo gélido na decolagem,
E a tendência cósmica na música metálica que se estende numa Sitar
Fundem-se divinamente em simbiose de eras gerando uma passagem,
Concreta de mistérios oriundos dos milenares acordes de Ravi Shankar.


II


O tempo se escorre em passo lento
E essa gente que se afunda em areias escaldantes de ideias
Seguindo como quem tateia o vácuo ao relento
Esperando na agonia e a pronunciar uivos de alcateias.

A memória andou te traindo esses dias
Com o mesmo pássaro ciscando a mente torta
E aquele agudo de bicadas frias,
Martelando os tímpanos em batidas de porta.

Esse ruído de engrenagem a denunciar minha presença
E eu me pego regurgitando palavras para a criatura
Que sendo ave monstruosa se alimenta de desventura
Enchendo o papo de sentimento amargo e descrença.


III


Provo o sabor dessa experiência multicolor
E atinjo o ápice necessário dentro dum segundo
Para ver a íris e a marula em um momento fecundo
Que também é líquido pelas goladas frias em licor.

Essa sensação de conhecimento esotérico amiúde,
Chega derrubando as portas e espalhando o nevoeiro
Que me invade por instrumentos sonoros o corpo inteiro
Preenchendo as ambiências d´alma pelo dedilhado sútil dum alaúde.


Aquele turbilhão de flashes que já começa a se esvair
Como a pupila se contraindo em calmaria satisfatória
E eu começo a remoer as partes fragmentadas dessa trajetória
Encaixando as peças do jogo vitalício antes que possas partir.





Talbert Igor





segunda-feira, 29 de junho de 2015

BAILE INSÔNICO DA MADRUGADA (Depois da Sessão de O Sal da Terra)




Lá fora a madruga dominical é sinistra e fria
E nesse quarto escuro a insônia me acompanha
Em uma dança de passada contorcida e medonha
Tendo como trilha sonora os ruídos da chuva e os assobios da ventania.

Meu pensamento se arrasta pesando uma tonelada
E até os pingos da chuva martelam a contagem da hora
Pois já estando com a pele áspera e a face amarelada
Não acho um só sono que me leve embora.

O corpo esticado reclama por não ser atendido
Pois a mente insiste em se manter acordada
E eu mudo de estratégia e retiro a cabeça afundada
Levanto entre o suor do travesseiro e modifico o pedido.

Então navego a esmo nesse colchão empoeirado
Tendo em cada olho uma espécie de lente fotográfica
E me sinto um peregrino percorrendo toda a África
Disparando fleches como fez Sebastião Salgado.




Talbert Igor

sábado, 13 de junho de 2015

FIGUEIREDO




Amanhecia, e como de costume, o Figueiredo se preparava para a sua rotina. “Ao menos é sexta-feira”, pensou consigo mesmo. 
Iria para o trabalho e não tinha planos para mais tarde. Talvez saísse e trocasse algumas palavras com a turma do chope ou finalmente encheria de coragem aquele peito tímido de vinte e nove anos e convidaria a Ângela para ir ao cinema, acabando assim com o seu desejo antigo de conhecê-la melhor. A vida para uma pessoa solitária pode ser tornar ainda mais difícil quando se está beirando aos trinta anos e não se percebe as oportunidades que se vão esvaindo.  
Figueiredo vivia uma vida pacata e, desde que saíra do interior para estudar na capital, ainda morava no mesmo pensionato no bairro do Pontal. Andava espreitando a vida a procura de dias melhores, mas sentia-se afundado naquela rotinazinha de viver dando duro, sonhando em ter um emprego digno como redator, pois já se cansara do cargo de estagiário.  
Naquela manhã de sexta-feira, ele encontrava-se perdido na rotina e era mais um no meio daquela multidão aglomerada nos pontos de ônibus da cidade. Como sempre, o seu ônibus chegou com uma grande margem de atraso, lotado, e com um cobrador mal-humorado que não respondia às saudações de bom dia dos passageiros. 
Atravessando aqueles corpos achatados, Figueiredo conseguiu encontrar um espaço no fundo do ônibus. Ele ficou em pé com a mochila pesando-lhe o corpo, mas ao menos não estava sendo esmagado como o pessoal do corredor, pois ainda lhe sobrara ar ventilado no espaço em que habitava. Sentiu-se com sorte. O ônibus andava avançando os sinais através de pequenos movimentos e Figueiredo percebeu que aquele seria um longo início de manhã até que ele conseguisse chegar ao trabalho. Em meio daquele espaço caótico, procurava algo que lhe interessasse e o distraísse do stress.  
Ele começou a observar e viu algumas mulheres conversando sobre festas que iriam ao final de semana, alguns idosos com as suas pastas de exames médicos, um rapaz com o celular estendido na mão e que tocava um funk incômodo, estudantes com suas fardas azuis e que sustentavam mochilas surradas pelo tempo, alguns outros trabalhadores como ele, e entre a barra de vidro escancarada em sua frente, Figueiredo interessou-se por algo que lhe encheu os olhos. Percebeu que dentro daquele ambiente turbulento, uma moça que estava sentada lia um livro. Ele estacionou o olhar cansado naquela figura e ficou observando. A moça, que estava vestida de leveza e concentrada por natureza era refletida através daqueles olhos fundos e negros de Figueiredo. A moça com aquele batom vermelho de cor viva e pulsante, contrastando com o cinza do ônibus. Ela lia um livro. 
Havia algo que o atraia a ela e que ele não sabia explicar o que seria. Talvez fosse o modo como ela afundava aqueles olhos claros e suaves nas páginas amareladas do livro e suportava todo aquele barulho do trânsito matinal, ou como sorria coma aquela boca carnuda manchada de vermelho para o livro. O fato era que Figueiredo começava a sentir-se bem ao ficar ali parado observando aquela moça, e o stress daquela manhã já não lhe pesava os ombros. 
Ele ficou observando aquela figura o máximo que pôde, pois não demorou muito e a moça guardou o livro na mochila, levantou-se do lugar que estava e atravessou aquele corredor humano dentro do ônibus. Ela passou em frente de Figueiredo que, aspirando àqueles movimentos, ficou embebedado pelo perfume dela. 
Ela descia no próximo ponto e Figueiredo ficava ali, sufocado naquele ônibus, mas com uma vontade de fazer alguma coisa contra os velhos hábitos, de mexer-se e enfrentar aquele dia de uma maneira diferente. Ainda no ônibus, ele ligou para Ângela e a convidou para ir ao cinema.





Talbert Igor

quinta-feira, 7 de maio de 2015

INTERREGNO - WALTER SMETAK e o CONJUNTO MICROTONS


O disco INTERREGNO foi gravado em 1980 por WALTER SMETAK e o CONJUNTO MICROTONS .
Smetak foi muito influenciado pela mística esotérica. Acreditava que a música microtonal era superior à tonal e construiu ou adaptou muitos instrumentos para a execução desse tipo de música.

INTERREGNO:

1 -Tendenciosa
2 - Plágio
3 - Espelhos
4 - Trifase
5 - Sementeira
6 - Ofício
7 - Convite


quarta-feira, 29 de abril de 2015

DOMINGO




   Era uma calorosa manhã de domingo como todas devem ser. O sol reinava soberano em meio à ambientação de um bairro calmo e, nos botecos, os senhores de pele enrugada já discutiam sobre futebol.
    Em um prédio cinzento, igual a tantos outros daquele conjunto habitacional, ele dormia em meio aos ácaros e apatia de seu apartamento, sonhando com coisas das quais não se lembraria ao acordar.
    Lá fora, a vida circulava nos pátios e corredores que dividiam os prédios. Alguns lavavam os seus carros, a velhinha do térreo passeava com seu cachorro. Da janela, a vizinha paranóica gritava ao telefone ao mesmo tempo em que se ouvia o barulho cortante de um liquidificador; o cara do prédio ao lado tocava o seu instrumento de cordas e, bem abaixo da janela dele, várias crianças brincavam eufóricas.
    O seu quarto tinha um cheiro de suor e ar abafado que misturado com os berros das crianças o fizeram acordar. Acordou resmungando de cansaço e raivoso pelo barulho. Mal abriu os olhos remelentos e já estava praguejando:
- Qual foi? Um ser humano merece descansar até mais tarde aos domingos... Essas crianças não têm mães, não? Que barulho maldito!
    Passara a semana atravessando a cidade em ônibus lotados e trabalhando duro em suas atividades diárias, e o domingo lhe sobrara para o descanso, afinal, esse dia era sagrado para os que precisavam relaxar. O próprio criador foi quem começou esse ritual dominical. Criou, criou e no domingo descansou.
    Ele levantou com a coberta ainda grudada em suas costas e foi até a janela para abrir uma pequena fresta. Através das vozes dos meninos, uma brisa suave adentrou os seus poros ao mesmo tempo em que a luz do sol lhe queimava os olhos. “A realidade dói”, pensou ele. Em meio àquele espaço solitário, foi até o banheiro e lavou o rosto. Lá fora as crianças gritavam e riam sob a luz dum sol convidativo.
    Logo voltou para a janela, dessa vez abrindo um pouco mais, e viu as crianças agitadas como comerciantes ao anunciarem mercadorias em uma feira livre. Ele, de toda certeza iria reclamar do barulho daqueles meninos, mas algo chamou a sua atenção e ele quis parar por um instante. Ficou observando a cena como um personagem dos filmes de western.
    Eram meninos de oito a dez anos e estavam descalços, a maioria sem camisa e brincavam de diversas maneiras. Alguns mais de lado com seus álbuns trocavam figurinhas de futebol. Um grupo apostava cartas de desenhos animados e, ao canto, em sua grande maioria, vários jogavam bolinhas de gude e formavam um grande círculo.
- São apenas crianças. Mas que vida boa dessa molecada... Não precisam se preocupar com nada - disse ele, ainda mal humorado.
    Assim, não quis mais reclamar dos meninos, mas a sua raiva aumentava à medida que eles se divertiam e gritavam cada vez mais alto. Para não se aborrecer mais e, já que estava acordado e não conseguia voltar a dormir, resolveu sair do quarto e fechar a janela de uma vez por todas. Foi até a sala, sentou-se no sofá e, defronte a TV, assistia aos apresentadores dinossauros que reinavam há décadas nas grades dos canais. Não se deu ao trabalho de abrir as janelas do apartamento e aquele cheiro de ar abafado aumentava cada vez. Já estava acostumado de tal maneira que não sabia distinguir os ares da sua rotina, apenas ligou o ventilador e com o controle começou a pular os canais. 
    Não demorou muito e o volume da televisão era invadido pela gritaria dos meninos que tinham as vozes refletidas através dos prédios. Ele não queria se levantar e apenas aumentou o volume do aparelho. Conseguiu ganhar a competição e teve paz por alguns poucos minutos, mas novamente a criançada berrava do lado de fora. Foi o ápice da sua raiva. Levantou-se do sofá como um vilão carrancudo dos desenhos animados e estava decidido a fazer uma reclamação daquele barulho que o infernizava. Foi até o quarto e abriu a janela com tamanha violência que os meninos lá em baixo pararam o que estavam fazendo, olharam para cima e o viram com uma cara carrancuda de poucos amigos.
    Ele os encarou com a pior cara do mundo, e os meninos o encararam por alguns segundos através daquele ar de inocência. Ele olhou para aqueles olhos miúdos que vibravam energéticos e por um instante ficou paralisado. Talvez por vergonha de estar ali procurando briga com uns pequenos ou pelo fato de atrapalhar as suas brincadeiras inocentes. Não demorou e os meninos logo pararam de olhar para ele. Agiram como se ele não estivesse ali os observando e voltaram a se preocupar com as brincadeiras.
    Lá de cima ele observava ainda mal-humorado, mas algo imprevisto aconteceu fazendo com que ele desmontasse a sua face carrancuda e logo esboçasse um pequeno riso no canto da boca. As crianças discutiam as regras das bolinhas de gude. A discussão foi ficando engraçada à medida que os meninos se posicionaram agitados sobre o assunto. Logo depois que conseguiram manter certa ordem, um menino acabou indo embora alegando que os outros tinham roubado as suas bolinhas. Os outros se defendiam respondendo que aquelas eram as regras do jogo e que nunca mais iriam chamá-lo para brincar. Ele observava a cena toda e, por um instante, foi ficando interessado naquilo que estava vendo e não quis mais voltar para a sala com a TV e o sofá, ficou no quarto e abriu a janela inteira.
    Da janela, ele foi ficando ainda mais sorridente ao ver que um dos meninos que trocavam figurinhas tinha acabado de conseguir a última que faltava para completar o álbum. Era tanta felicidade daquele menino que ele saiu pelo corredor gritando para todos os lados:
- Eu consegui o Gerrard. O álbum tá completo!
    E em sua maioria os meninos riam, e outros ficaram com ciúmes, pois não conseguiram completar o álbum de figurinhas primeiro. No mais, o barulho daquelas vozes infantis preenchia a manhã de domingo, e a cena alimentava o olhar do observador.
    Naquela altura, seu corpo estava leve e ele surgia com um sorriso nostálgico no rosto. Lembrava dos tempos de menino e de como conseguia as melhores figurinhas e as maiores quantidades de bolinhas de gude.
    Assim, não quis mais atrapalhar a brincadeira dos meninos e resolveu sair da janela para começar a cuidar da vida. Ligou o aparelho e pôs um som dos anos sessenta em volume médio. Tomou banho e fez o seu café ainda pensando naquela alegria. Havia uma inquietação e uma vontade de se mover que ultrapassava as paredes geladas e chegava até o seu corpo. Uma sensação nova e ao mesmo tempo familiar. Ele havia acordado para o domingo.





Talbert Igor

domingo, 29 de março de 2015

RASCUNHO




Deparo-me entre quatro paredes decadentes
E nessa noite de ares abafados,
Quebrando o silêncio dos músculos paralisados
Lanço os ruídos paranoicos do debater-se dos dentes.

Provo das ilusões desse tempo estranho
Que dilui matéria e conceitos existenciais
E, estranho a pele gélida que toco e arranho
Não sentindo o humano desde os momentos iniciais.

Para onde foi toda a motivação desse mundo?
O plano e as ideias que se semeiam nesse momento fecundo,
Mas que morrem pelo ego da humanidade
Esta, que é a praga, que sustenta toda a infelicidade.

É difícil conseguir um bom resultado
E organizar palavras em rabiscos de caneta
Que se misturam ao papel derramado por tinta preta
Confundindo-se com inspirações em um rascunho mal-acabado.



Talbert Igor 

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

The Rain Song (Led Zeppelin Cover) - Talbert Igor


Faço um cover + ou - de uma das melhores músicas que já existiram e de uma das melhores bandas do planeta. O áudio ficou meio fuleiro, mas até que tá valendo.

CORDEL BLUES - TALBERT IGOR, THALLES NATHAN




Cordel Blues é uma composição de Talbert Igor e Thalles Nathan. Foi criada no ano de 2011, na velha cozinha de taipa de dona Denise, com Thalles fuçando as panelas e os gatos observando toda a cena.

Registro feito em casa com: Rafael Vilanova (guitarra e baixo) e Talbert Igor (voz e desafinação)

domingo, 8 de fevereiro de 2015

NOITE, TAVERNA E MANDRIÕES



Um dia, dentro de sua semana
Entre um causo e um bom senso
Surgirá dos verbos e nas partes da entranha,
Mirabolantes estórias ofuscantes de incensos.

Outra caixa d´água que se reclama
E na garganta pressionada por tubulações
Seguindo a estrada líquida das plastificações,
Ele, que secando o copo, em álcool se derrama.

A noite avança cintilante em nossas cabeças
E vamos ficando bêbados pelo tempo e pelo vento
Como se as lembranças que revivem do relento
Evocassem os amores abarcados de avarezas.

Remoemos as palavras declaradas em apreço
Do instinto vitalício que na estrada beira
Indo embora pela experiência de tropeços
Guiando-se entre pingos e folhas de bananeiras.




Talbert Igor

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

PEQUENO PERFIL DUM CAMINHANTE



Eu o vejo marchar em direção oposta ao concreto e aos ruídos mecânicos.
Ele segue interiormente em silêncio,
Mas há ira pulsando em suas veias,
Mas há opacidade em seu olhar,
Mas há agonia em suas passadas.
Ele para, toma um café na rua e passeia por olhares anônimos,
Vê graça e estranheza em pessoas que nunca viu em tão pouco tempo.
Mas não importa, não os verá de novo, não provará dos seus sabores,
Não mais se lembrará da moça do café,
Do ambulante aos berros,
Nem do mendigo enferrujado que balbucia.
Há urubus perambulando por sobre a sua cabeça, ele envelhece nas vielas e calçadas da cidade.



Talbert Igor