(Imagem Isadora Furlan)
Sempre que passava, carregado de fardos, pela pequena estrada em direção ao vilarejo, podia sentir um cheiro forte e estranho que o vento trazia do meio da vegetação.
Certa vez, voltava com meus camaradas para o
vilarejo e parei em um ponto da estrada. Percebi aquele poderoso odor
misterioso que cortava galhos secos de difícil acesso. Lembrei-me da história
que contavam sobre um velho solitário que habitava aquelas bandas e o quão louco diziam ele ser.
-Vocês não sentem
esse forte e estranho odor? Perguntei aos meus colegas. Nenhum deles parecia entender
o que eu estava tentando explicar.
Convidei-os para
irem a procura desse forte cheiro e nenhum quis me acompanhar. Diziam ser
coisa do caipora, mas voltaram a falar a história do velho louco solitário. Logo
depois partiram apressados com seus fardos nas costas.
Pus-me adentro
ao mistério vivo de plantas secas, que pareciam esconder alguma coisa grandiosa,
por causa da dificuldade que ofereciam aos movimentos.
Andei um bom
tempo até chegar a um ponto razoável onde pude observar e ver uma cabana,
palhas de coqueiro embaixo de uma enorme e carregada quixabeira.
Havia de tudo
naquele pequeno ponto. Animais, objetos, frutas regionais e regionais ares
mágicos de todo um imaginário sábio popular. Bodes em um cercado velho, uma
pequena plantação de milho que era visitada por bicadas de uns agitados joões.
Pude ver uma
figura que andava com passadas quase que calculadas, acompanhadas por cacarejos
de galinhas observadoras. Era um homem, uma figura coberta por um traje de
couro, quase que camuflado. Ao menos vi sua branca barba, um senhor enrugado do
esquecimento moreno.
O velho homem
parou em frente de um grande balcão carregado por vasos substanciosos, peças de
ferro, couro e madeira que pareciam ser seus principais instrumentos. Revirava
prateleiras e pela agonia com que derrubava suas frágeis cabaças parecia ser
algo de uma necessidade extrema.
Eis que o velho
surge com um enferrujado, mas eficiente facão. Começava a cortar fardos de umas
palmas verdes e completava os cestos com um quase capim cinza.
Parecia não se
importar com o suor que caia do seu corpo. Um Sofrer em uma gaiola de taliscas
alegrava o seu trabalho, com um alaranjado raro para o fim do dia. Cores
ditam o seu ritmo cansado.
Parou por um
pequeno período de tempo para matar a sede em um pote de barro. Logo depois
abriu uma garrafa de cachaça e bebeu uma dose, percebi seu místico, pois cuspia
um pouco para o santo. Ria sozinho, criando coragem outra vez.
Seguiu em
direção à seca vegetação, pude vê-lo sendo devorado no cinza da cor até ouvir um
profundo e respeitado eco. Era a oração rimada do velho homem que fazia com que
suas cabeças o seguissem adentro ao cercado de madeira.
Anoitecia e o
homem parecia concluir seu atarefado dia.
De repente levei
um susto quando pude escuta-lo como uma voz bem próxima, quase que como um
segredo a dois, ele pronunciou:
- Mais um dia...
Dominar e ser dominado! .
O sol iria
dormir no pé da serra e o homem parecia se preparar para acorda-lo amanhã bem
cedo. Eu me preparava para sair e voltar para minha casa, quando ia retomando
ao caminho que me conduzira até aquele ponto, avistei ao virar em direção à
estrada, o velho homem me encarando e se arrastando em minha direção.
Fiquei
paralisado, pois não percebi o quão ele foi rápido ao fingir que entrava na cabana...
E como ele foi parar bem atrás de mim tão rapidamente? O velho me observava
sorrateiramente esse tempo todo.
Continuou vindo
em minha direção com um tom de intimidação, quando já estava me alcançando,
pronto para me atingir com seu movimento, eu acordei quase que como um susto de
um grande pesadelo, em um lugar incomum para o meu abrir de olhos.
Percebi que
tinha dormido por um bom período de tempo. Já não era mais um entardecer e
olhando para o meu relógio de pulso, vi que eram duas da tarde. Estava com as
roupas sujas e cobertas por muitas folhas, pequenos insetos passeavam por meu
corpo.
Levantei do chão
e me apoiei em um tronco de cajueiro. Pude perceber que estava próximo da
cabana do velho homem, o fogão à lenha estava aceso com uma panela de barro que
cuspia seus vapores para o teto. Não vi o velho e a cabana parecia estar sem ninguém.
Escutei gritos
vindos do norte em direção ao caminho que tinha percorrido até chegar à cabana...
caminho que ligava até a estrada. Gritos pareciam buscar alguma coisa.
Fui em direção
ao caminho e chegando aos gritos, vi que vinham dum grupo de moradores do
pequeno povoado.
Diziam que
estavam me procurando, um deles contou-me que eu estivera sumido por quatro
dias e que eles me procuraram esse tempo todo.
Faziam muitas
perguntas de onde eu estive e o que estava fazendo. Contei-lhes a história do
velho e de tudo que eu vi. Quis mostrar a esquisita cabana, o cercado e os
animais para que acreditassem na minha história e vissem que a lenda do homem solitário
era verdadeira.
Guiei aqueles
camaradas até a localização de onde eu estivera. Chegamos e a cabana havia
sumido. Tudo havia desaparecido, os animais, o cercado, o fogão e o próprio
velho.
Avistei uma pequena
gaiola feita de taliscas com penas alaranjadas que pareciam Ser de um Sofrer. Perto
da gaiola pude ver uma pequena plantação de milho que já estava quase toda seca
e sem vida, restavam apenas oito espigas que eram disputados por bicadas de uns
desesperados e agitados joões.
Quando todos
pensavam que eu estava louco e quando partíamos em direção ao vilarejo, todos
escutaram uma oração que cortava aquela cor cinza e fazia um poderoso e respeitado
eco na vegetação. Pude sentir que era o velho homem, pois aquele forte odor
ecoava pelos ares como nunca tinha sentido antes.
Alguém gritou:
-Parece que
estão recolhendo suas cabeças para o curral mais cedo.
Mais um dia,
nada como dominar e ser dominado.
Talbert Igor