segunda-feira, 29 de junho de 2015

BAILE INSÔNICO DA MADRUGADA (Depois da Sessão de O Sal da Terra)




Lá fora a madruga dominical é sinistra e fria
E nesse quarto escuro a insônia me acompanha
Em uma dança de passada contorcida e medonha
Tendo como trilha sonora os ruídos da chuva e os assobios da ventania.

Meu pensamento se arrasta pesando uma tonelada
E até os pingos da chuva martelam a contagem da hora
Pois já estando com a pele áspera e a face amarelada
Não acho um só sono que me leve embora.

O corpo esticado reclama por não ser atendido
Pois a mente insiste em se manter acordada
E eu mudo de estratégia e retiro a cabeça afundada
Levanto entre o suor do travesseiro e modifico o pedido.

Então navego a esmo nesse colchão empoeirado
Tendo em cada olho uma espécie de lente fotográfica
E me sinto um peregrino percorrendo toda a África
Disparando fleches como fez Sebastião Salgado.




Talbert Igor

sábado, 13 de junho de 2015

FIGUEIREDO




Amanhecia, e como de costume, o Figueiredo se preparava para a sua rotina. “Ao menos é sexta-feira”, pensou consigo mesmo. 
Iria para o trabalho e não tinha planos para mais tarde. Talvez saísse e trocasse algumas palavras com a turma do chope ou finalmente encheria de coragem aquele peito tímido de vinte e nove anos e convidaria a Ângela para ir ao cinema, acabando assim com o seu desejo antigo de conhecê-la melhor. A vida para uma pessoa solitária pode ser tornar ainda mais difícil quando se está beirando aos trinta anos e não se percebe as oportunidades que se vão esvaindo.  
Figueiredo vivia uma vida pacata e, desde que saíra do interior para estudar na capital, ainda morava no mesmo pensionato no bairro do Pontal. Andava espreitando a vida a procura de dias melhores, mas sentia-se afundado naquela rotinazinha de viver dando duro, sonhando em ter um emprego digno como redator, pois já se cansara do cargo de estagiário.  
Naquela manhã de sexta-feira, ele encontrava-se perdido na rotina e era mais um no meio daquela multidão aglomerada nos pontos de ônibus da cidade. Como sempre, o seu ônibus chegou com uma grande margem de atraso, lotado, e com um cobrador mal-humorado que não respondia às saudações de bom dia dos passageiros. 
Atravessando aqueles corpos achatados, Figueiredo conseguiu encontrar um espaço no fundo do ônibus. Ele ficou em pé com a mochila pesando-lhe o corpo, mas ao menos não estava sendo esmagado como o pessoal do corredor, pois ainda lhe sobrara ar ventilado no espaço em que habitava. Sentiu-se com sorte. O ônibus andava avançando os sinais através de pequenos movimentos e Figueiredo percebeu que aquele seria um longo início de manhã até que ele conseguisse chegar ao trabalho. Em meio daquele espaço caótico, procurava algo que lhe interessasse e o distraísse do stress.  
Ele começou a observar e viu algumas mulheres conversando sobre festas que iriam ao final de semana, alguns idosos com as suas pastas de exames médicos, um rapaz com o celular estendido na mão e que tocava um funk incômodo, estudantes com suas fardas azuis e que sustentavam mochilas surradas pelo tempo, alguns outros trabalhadores como ele, e entre a barra de vidro escancarada em sua frente, Figueiredo interessou-se por algo que lhe encheu os olhos. Percebeu que dentro daquele ambiente turbulento, uma moça que estava sentada lia um livro. Ele estacionou o olhar cansado naquela figura e ficou observando. A moça, que estava vestida de leveza e concentrada por natureza era refletida através daqueles olhos fundos e negros de Figueiredo. A moça com aquele batom vermelho de cor viva e pulsante, contrastando com o cinza do ônibus. Ela lia um livro. 
Havia algo que o atraia a ela e que ele não sabia explicar o que seria. Talvez fosse o modo como ela afundava aqueles olhos claros e suaves nas páginas amareladas do livro e suportava todo aquele barulho do trânsito matinal, ou como sorria coma aquela boca carnuda manchada de vermelho para o livro. O fato era que Figueiredo começava a sentir-se bem ao ficar ali parado observando aquela moça, e o stress daquela manhã já não lhe pesava os ombros. 
Ele ficou observando aquela figura o máximo que pôde, pois não demorou muito e a moça guardou o livro na mochila, levantou-se do lugar que estava e atravessou aquele corredor humano dentro do ônibus. Ela passou em frente de Figueiredo que, aspirando àqueles movimentos, ficou embebedado pelo perfume dela. 
Ela descia no próximo ponto e Figueiredo ficava ali, sufocado naquele ônibus, mas com uma vontade de fazer alguma coisa contra os velhos hábitos, de mexer-se e enfrentar aquele dia de uma maneira diferente. Ainda no ônibus, ele ligou para Ângela e a convidou para ir ao cinema.





Talbert Igor