Amanhecia, e como de costume, o Figueiredo se preparava para
a sua rotina. “Ao menos é sexta-feira”, pensou consigo mesmo.
Iria para o trabalho e não tinha planos para mais tarde.
Talvez saísse e trocasse algumas palavras com a turma do chope ou finalmente
encheria de coragem aquele peito tímido de vinte e nove anos e convidaria a
Ângela para ir ao cinema, acabando assim com o seu desejo antigo de
conhecê-la melhor. A vida para uma pessoa solitária pode ser tornar ainda mais
difícil quando se está beirando aos trinta anos e não se percebe as
oportunidades que se vão esvaindo.
Figueiredo vivia uma vida pacata e, desde que saíra do
interior para estudar na capital, ainda morava no mesmo pensionato no bairro do
Pontal. Andava espreitando a vida a procura de dias melhores, mas sentia-se
afundado naquela rotinazinha de viver dando duro, sonhando em ter um emprego
digno como redator, pois já se cansara do cargo de estagiário.
Naquela manhã de sexta-feira, ele encontrava-se perdido na
rotina e era mais um no meio daquela multidão aglomerada nos pontos de ônibus
da cidade. Como sempre, o seu ônibus chegou com uma grande margem de atraso,
lotado, e com um cobrador mal-humorado que não respondia às saudações de bom
dia dos passageiros.
Atravessando aqueles corpos achatados, Figueiredo conseguiu
encontrar um espaço no fundo do ônibus. Ele ficou em pé com a mochila
pesando-lhe o corpo, mas ao menos não estava sendo esmagado como o pessoal do
corredor, pois ainda lhe sobrara ar ventilado no espaço em que habitava.
Sentiu-se com sorte. O ônibus andava avançando os sinais através de pequenos
movimentos e Figueiredo percebeu que aquele seria um longo início de manhã até
que ele conseguisse chegar ao trabalho. Em meio daquele espaço caótico,
procurava algo que lhe interessasse e o distraísse do stress.
Ele começou a observar e viu algumas mulheres conversando
sobre festas que iriam ao final de semana, alguns idosos com as suas pastas de
exames médicos, um rapaz com o celular estendido na mão e que tocava um funk
incômodo, estudantes com suas fardas azuis e que sustentavam mochilas surradas
pelo tempo, alguns outros trabalhadores como ele, e entre a barra de vidro
escancarada em sua frente, Figueiredo interessou-se por algo que lhe encheu os
olhos. Percebeu que dentro daquele ambiente turbulento, uma moça que estava
sentada lia um livro. Ele estacionou o olhar cansado naquela figura e ficou observando.
A moça, que estava vestida de leveza e concentrada por natureza era refletida
através daqueles olhos fundos e negros de Figueiredo. A moça com aquele batom
vermelho de cor viva e pulsante, contrastando com o cinza do ônibus.
Ela lia um livro.
Havia algo que o atraia a ela e que ele não sabia explicar o
que seria. Talvez fosse o modo como ela afundava aqueles olhos claros
e suaves nas páginas amareladas do livro e suportava todo aquele barulho do
trânsito matinal, ou como sorria coma aquela boca carnuda manchada de vermelho
para o livro. O fato era que Figueiredo começava a sentir-se bem ao ficar ali
parado observando aquela moça, e o stress daquela manhã já não lhe pesava os
ombros.
Ele ficou observando aquela figura o máximo que pôde, pois
não demorou muito e a moça guardou o livro na mochila, levantou-se do lugar que
estava e atravessou aquele corredor humano dentro do ônibus. Ela passou em
frente de Figueiredo que, aspirando àqueles movimentos, ficou embebedado pelo
perfume dela.
Ela descia no próximo ponto e Figueiredo ficava ali,
sufocado naquele ônibus, mas com uma vontade de fazer alguma coisa contra os
velhos hábitos, de mexer-se e enfrentar aquele dia de uma maneira diferente.
Ainda no ônibus, ele ligou para Ângela e a convidou para ir ao cinema.
Talbert Igor