Era uma junina manhã de sábado quando o menino partia com o pai numa motocicleta estrada adentro. Logo os buracos causaram-lhes problemas e o pai aproveitava, parando em vários trechos e retirando da sacola um cantil.
Licor para saborear...
O menino entregava o cantil ao pai que ia aos poucos se embriagando. Não por motivo de alegria, mas por vontade de esquecer sua miserável vida.
Para o infortúnio de ambos começava a chover. A estrada deslizava sua enorme vegetação e o céu cuspia pragas em forma de pingos aos aventureiros. Pararam numa casa que ao menino soava familiar. Era a casa da pequena bastarda que ouvia calada promessas paternas de um exímio devasso. O pai jurava e retirava dos bolsos frases feitas para o ludibrio perfeito. Mas de nada adiantou, a pequena logo expulsava de sua moradia, pai e filho.
O pai consumia cada vez mais e a motocicleta acompanhava o seu entusiasmo com manobras ariscadas. O filho temia e querendo fazer tudo não conseguia nada, logo gritou ao pai:
-Meu pai, o senhor não pode mais pilotar. Não deverias misturar o liquido com o sólido!
E o pai chateado respondia com voz e soluços:
-Calma que estamos chegando ao velho covão!..
Voltaram à estrada e o pai nesse momento já estava completamente embriagado. Foi quando num reflexo retardado exclamou delirante:
-Segure-se filho!
O menino apenas fechou, apertando rapidamente os olhos, e em segundos ambos chocaram-se contra um enorme barranco. A motocicleta encontrava-se no centro da estrada, o pai estirado junto às pedras de lama, o filho sangrando palavras de arrependimento com a roupa rasgada sobre a perna ensangüentada e o braço inchado. Depois de minutos, recuperado e com excessiva vontade de chegar ao destino final, o pai resolveu acalmar a tensão recorrendo ao cantil de licor. Mas quando se virou levou outro susto, vendo o filho abalado a esvaziar o seu precioso liquido garganta adentro. Logo ambos se olharam por segundos e riram da própria morte. O filho falou sorrindo:
-Maracujá. Meu sabor predileto!
Levantaram a motocicleta e continuaram o percurso sobre a chuva fria da noite, e quando os ventos permitiram-lhe falar o pai comentou ao filho:
-precisamos chegar logo, Pois o seu tio nos espera há semanas na velha fazenda.
O filho sorriu mais uma vez vendo um boteco aberto em um cruzamento da estrada. O pai parecia ter lido seus pensamentos, pois a motocicleta seguia a visão do filho que gritava aos ventos:
-Precisamos nos aquecer mais uma vez!.
Talbert Igor